Consignado: para aposentado: do alívio à armadilha

Prazo maior de pagamento e prestação menor trazem tranquilidade para o aposentado que toma crédito consignado? A resposta, segundo especialistas, vai depender de cada situação. O consenso é que, antes de contratar esse crédito, o beneficiário precisa refletir sobre a utilização: se será para aproveitar uma oportunidade, pagar dívidas de valor mais alto ou apenas para comprar bens de consumo. Depois, é preciso lembrar que prazo maior significa mais tempo com o orçamento comprometido e um pagamento adicional de juros.

Desde o início deste mês, os aposentados pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) ganharam aumento no prazo para pagar o empréstimo consignado, que passou do limite de 60 meses (cinco anos) para 72 meses (seis anos). A taxa de juro máxima para essa operação continuou sendo a mesma, de 2,14% ao mês. Apenas nos empréstimos contraídos por cartão consignado a taxa é maior, de 3,06% ao mês. O objetivo do alongamento no prazo de pagamento foi dar uma folga ao orçamento dos aposentados. Dos contratos ativos de empréstimo consignado em agosto deste ano, cerca de 60% tinham como prazo o limite máximo de 60 meses.

A medida também pode estimular as concessões do consignado. Em agosto, as operações de empréstimo pessoal e no cartão somaram R$ 3,46 bilhões, montante 2,96% inferior ao de agosto de 2013. “O fato é que o crédito está contido neste momento e o aposentado é o público no qual a concessão pode aumentar porque sua renda não sofre flutuações mais fortes. O valor é descontado em folha e, assim, mais seguro para a instituição que concede. No entanto, esse modelo de estímulo está se esgotando”, explica Emilio Alfieri, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Segundo os dados de agosto do INSS, o maior contingente de aposentados que utiliza o crédito consignado, ou 38% deles, têm benefício equivalente a até um salário mínimo. Quem mais tomou recursos em agosto, ou R$ 1,45 bilhão do total, estava na faixa etária de 60 a 69 anos.

Especialistas dizem que o aposentado deve monitorar o orçamento ao tomar o crédito consignado para evitar a inadimplência em outras despesas, já que a parcela do empréstimo pode atingir até 30% da renda mensal. Segundo Flávio Calife, economista da Boa Vista Serviços SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), houve elevação da inadimplência de pessoas com idade acima de 56 anos no último ano. Em setembro deste ano, a participação desse perfil no total de inadimplentes chegou a 15%, ante a 11% no mesmo mês de 2013 e de 2012. “O fato é que tem diminuído a participação de jovens, que são aqueles que mais têm mudanças na renda, e aumento no número de pessoas em idade de aposentadoria”, afirma o economista.

Reinaldo Domingos, educador e presidente da DSOP Educação Financeira, diz que em muitos casos um prazo maior de pagamento pode trazer tranquilidade ao aposentado, mas só se ele estiver fazendo readequações no orçamento. “Sabemos que em um prazo maior ele pagará muito mais, mas o importante é que saiba adequar a prestação ao seu padrão de vida”, explica. Para Domingos, quem toma esse tipo de crédito deve fazer um diagnóstico das finanças para viver com 30% menos de sua renda mensal por um longo período. “É uma linha de crédito de baixo custo e que pode ser usada para quitar dívidas do cheque especial e do rotativo do cartão de crédito. Mas junto a isso é preciso arrumar as finanças, com redução no padrão de vida se necessário. Isso porque passará a viver apenas com 70% do benefício”, diz Domingos.

Álvaro Modernell, diretor da Mais Ativos Educação Financeira, avalia que o problema do crédito consignado para o aposentado é a sua utilização, muitas vezes voltada para o consumo. “Recomendo tomar esse crédito em caso de necessidade, como uma doença na família ou mesmo para aproveitar uma oportunidade de investimento, como comprar um terreno ou fazer um curso”, diz. Para Modernell, o alongamento do prazo de pagamento do crédito consignado traz apenas um alívio temporário ao orçamento, mas com efeitos colaterais no futuro.

Custo do alongamento do prazo

Um dos efeitos colaterais é o custo total da dívida maior. De acordo com simulação de José Dutra Oliveira Sobrinho, economista e professor de matemática financeira do Insper, o valor que o aposentado paga no final de 72 meses pode ser até 20% superior do que se optasse por quitar a dívida em 60 meses. Na simulação, ele considerou um empréstimo no valor de R$ 10 mil, a uma taxa de 2,14% ao mês, e pagamento em 60 meses. No final do prazo, o aposentado teria desembolsado R$ 17.850,60. Mas, se optasse pelos 72 meses, o valor que ele pagaria no final seria de R$ 19.696,32, uma elevação de 10,34% no saldo final. A prestação seria de R$ 297,51 em 60 meses e de R$ 273,56 em 72 meses, 8% menor.

“Agora, imagine um aposentado com um benefício de R$ 1 mil que possa assumir uma prestação de R$ 300 (30% da renda). É assim que o banco oferece o crédito. Nessa situação, ele poderia tomar um empréstimo de R$ 10.083 e pagaria no final R$ 18 mil em 60 meses. Se escolhesse o prazo de 72 meses, poderia tomar um valor maior, de R$ 10.966, mas o saldo total iria para R$ 21.600, um acréscimo de 20% em relação ao que desembolsaria em 60 meses”, explica o professor.

André Massaro, consultor e educador financeiro diz que o prazo interfere no aumento do custo da dívida, mas também aumenta o risco de inadimplência, já que as emergências podem acontecer no caminho e impedir com que a pessoa pague outras contas. “A renda do aposentado é estática e previsível. Por isso, é a pessoa que mais deve tomar cuidado com empréstimo porque terá de fazer sacrifício para pagar no futuro”, afirma. Para o educador, o que pode acontecer ao longo do tempo é a prestação atrapalhar o fluxo de caixa do aposentado, que já tem despesas com remédios e saúde. “O fato é que o banco garante o recebimento descontando o valor da conta-corrente do aposentado. Por isso, se ele não pensar antes, terá de cortar despesas essenciais. Mesmo diante da facilidade para tomar o crédito, é preciso ter em mente essa preocupação”, conclui Massaro.

Fonte: www.dcomercio.com.br – Publicado, 19/10/14  – Escrito por Rejane Tamoto

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