Afinal, quem integra a classe média?

O enquadramento da classe social brasileira virou de cabeça para baixo. Literalmente. A população do Brasil que cabia exatamente em uma pirâmide, passou a ocupar o espaço de um losango com a ascensão da chamada classe média e tende a ser representada por outras figuras geométricas a depender dos diversos critérios para estratificar as camadas sociais e econômicas.

Recentemente, a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do governo divulgou novos parâmetros sobre o que entende por classe média, um desafio enfrentado por todos os países do mundo. Pelo critério da SAE, um cidadão se enquadra na classe média alta se tiver renda per capita mensal entre R$ 641 e R$ 1,019 mil. A classe pobre abarca aqueles com renda entre R$ 82 a 291. Já a classe alta engloba brasileiros com renda superior a R$ 2,48 mil. No total, são oito classificações (veja quadro com todas as categorias ao lado).

A nova definição gerou controvérsia. A classe média aumentou de tamanho e muitas pessoas antes catalogadas na parte de baixo da pirâmide pularam para cima. E há quem diga que, no futuro, tomando como base esse critério, sobrarão poucas pessoas classificadas nas classes D e E.

Prenúncio de uma nova forma geométrica de distribuição da população? “Se os valores forem corrigidos pela inflação e produtividade, ao longo de dois anos, a base da pirâmide desaparecerá”, afirma o professor José Afonso Mazzon, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Ele afirma que o método não é apropriado principalmente porque adota a renda como fator principal. “Se o cidadão perder o emprego, cai imediatamente na classificação”, explica o professor.

De acordo com Mazzon, o chamado critério Brasil é usado há décadas e de forma generalizada pelas agências de propaganda, veículos de comunicação e institutos de pesquisas para a classificação socioeconômica. Ele se baseia na posse de oito tipos de bens duráveis. Trata-se de um sistema de pontos que, somados, servem para dividir a população brasileira conforme a sua capacidade de compra. Na visão do professor Mazzon, é um bom critério, no entanto tem deficiências. Uma delas é o fato de os dados serem coletados nas regiões metropolitanas, captando com mais precisão apenas o consumo das classes mais altas. Para ele, o uso generalizado desse critério pode levar as companhias a negligenciar importantes segmentos dos mercados emergentes.

A partir de um estudo detalhado sobre as transformações econômicas e sociais ocorridas no Brasil na década passada, o professor Mazzon e outro especialista em marketing, Wagner A. Kamamura, que trabalha na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, desenvolveram um novo modelo de cálculo para a classificação socioeconômica, que permite trabalhar com 14 a 36 variáveis para realizar essa catalogação. É uma alternativa ao defasado, na opinião de muitos especialistas, critério Brasil, desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (Abep).

“O recente crescimento da chamada classe média nas economias emergentes requer uma mensuração mais precisa e válida das classes sociais”, explica Kamamura. Os dois professores utilizaram o índice Gini para analisar o consumo de bens e serviços.

De modo geral, o modelo baseia-se na renda permanente das famílias, o que inclui ativos reais e financeiros e em diversos indicadores de riqueza e qualidade de vida. Outra vantagem é que permite calcular o estrato socioeconômico de um domicílio mesmo que faltem algumas respostas ou dados do entrevistado. “Usamos a renda per capita, mas ela explica só 24% da classificação. O modelo está calcado nos conceitos de padrão de vida, o que inclui além do grau de instrução, tipo de moradia, água, esgoto”, resume o especialista em marketing.

O modelo também prioriza o conceito de renda permanente. Ou seja, o cidadão que perde o emprego, por exemplo, não vai mudar necessariamente de classe. “Ele pode ter uma poupança robusta e manter o seu padrão de vida”.

O novo critério já foi apresentado para executivos da Abep e a ideia é usá-lo em conjunto com o critério Brasil. “O novo modelo pode ser entendido como um subconjunto do critério Brasil e um instituto de pesquisa poderia realizar um cruzamento de dados para obter respostas mais precisas”, conclui o professor.

Valores – Na opinião do economista do Instituto Fractal, Celso Grisi, o critério Brasil divide a sociedade pela quantidade de bens e, a partir daí, depreende a renda média familiar. “É um critério econômico. Do ponto de vista social, é pobre porque não traz a descrição de comportamentos, valores”, explica.

Na opinião do economista, o País ainda não possui um bom critério que explique a sociedade do ponto de vista social e econômico. Uma das falhas, na sua opinião, é que esses estudos não contemplam a estrutura de gastos. “O que explica o fato de as pessoas terem hábitos de vida diferentes não é a renda, mas os gastos”, afirma Grisi, ao lembrar que esse “olhar para a sociedade para encontrar grupos internamente homogêneos e externamente diferentes entre si” sempre foi controverso no Brasil.

O economista também opina sobre o critério desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que define a classe C com base em uma renda familiar entre R$ 1,2 mil e

R$ 5,17 mil. “Essa classe ficou ampla demais por esse critério, que também deixa a desejar do ponto de vista social”, afirma Grisi.

Classe média – Um dos maiores estudiosos da distribuição de renda no Brasil, o economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da FGV, calcula em 105 milhões o número de brasileiros, ou 55% da população, que integram a nova classe média.

De acordo com levantamentos da FGV, entre 2003 e 2011, quase 40 milhões de pessoas migraram para essa classe social. “Equivale à população da Argentina”, compara o economista.

Para o ano de 2014, o autor do livro A nova Classe Média – O lado brilhante da base da pirâmide projeta o ingresso de mais 12 milhões de pessoas. E quem chegou à C vai continuar seu voo em direção à A/B, de acordo com ele. “No futuro, vamos falar muito da nova classe A, como ocorre atualmente com a C”, conclui. Uma pirâmide em mutação, mais uma vez.

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Fonte: www.dcomercio.com.br –  Publicado, 20/06/12 – Escrito por Sílvia Pimentel

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