A situação é muito mais corriqueira do que se imagina: ao ver um cliente chegando com uma sacola da loja em mãos, o vendedor logo pensa que vai ter problemas ou que vai perder tempo e a chance de atender outros potenciais compradores.
Pensamentos ainda muito arraigados na cultura do varejo brasileiro, mas ultrapassados do ponto de vista das mais recentes tendências de atendimento. Afinal, as pessoas hoje têm numerosas opções para comprar o que precisam – nas lojas físicas, por telefone, na internet – e o desafio das empresas é mostrar diferenciais que garantam fidelidade dos clientes. Dificultar trocas certamente não é um deles.
Nesse contexto, o lojista deve se esforçar para convencer seus vendedores de que o retorno do consumidor ao ponto de venda não causa transtornos – muito diferente disso, abre ótimas possibilidades de venda no próprio ato da troca ou em outras oportunidades no futuro. Esse trabalho se faz com a adoção de uma política de trocas eficiente.
À parte as exigências legais no que se refere a trocas de mercadorias (principalmente a obrigatoriedade da troca em casos de defeito de fabricação, conforme determinação do Código de Defesa do Consumidor), os varejistas precisam insistir no treinamento de gerentes e vendedores, que são os profissionais que estão na linha de frente do atendimento.
“Um cliente que foi conquistado a duras penas deve ser muito valorizado pelo lojista. Quem atende deve sempre ter em mente que uma eventual troca faz parte do mesmo processo da venda, que não se encerra com o pagamento e a entrega do produto”, afirma o professor Alexandre Sassaki, do Programa de Administração de Varejo (Provar) da Fundação Instituto de Administração (FIA). “A troca é muitas vezes o momento mais propício para a loja mostrar seu comprometimento com a satisfação do consumidor e não pode ser desperdiçado”, acrescenta.
VENDEDOR COM VISÃO AMPLA
Na avaliação do professor, o retorno do cliente ao estabelecimento abre, na verdade, grandes possibilidades para um vendedor que tenha uma visão mais ampla do que faz. Ele pode conseguir levar o consumidor a trocar a mercadoria por outra de maior valor e pode fazê-lo comprar outros itens, elevando sua comissão inicial de venda. Mais do que isso: no momento da troca, o vendedor tem condições de entender o que deu errado na venda, fazendo questionamentos básicos.
O problema foi o tamanho, a cor, o modelo, a qualidade, a data de validade? O cliente acabou comprando o que não queria, influenciado pela insistência do atendente? A mercadoria estava com defeito de fabricação, se desgastou antes de um prazo razoável? As respostas a essas perguntas podem basear um atendimento mais adequado daquele cliente na próxima oportunidade, se houver, em um trabalho de formiguinha que tende a garantir a fidelidade do consumidor por um longo período.
Qualquer que seja o motivo da troca, uma das recomendações mais comuns entre os especialistas é dar atenção especial ao tom de abordagem do vendedor quando o cliente retorna à loja. O atendente nunca pode demonstrar má vontade, descontentamento, pouco caso, desconfiança ou desprezo. Se faz isso, deixa claro para o consumidor que ele só importa para aquela marca na hora de abrir a carteira e pagar pelos produtos (e alguém tratado assim dificilmente vai voltar).
“As empresas investem cada vez mais em ações de relacionamento e programas para garantir fidelidade, com recompensas em pontos ou outras vantagens, deixando clara a importância do cliente para a marca. O consumidor, portanto, deve receber o mesmo tratamento em toda e qualquer interação. Se as lojas dificultam o processo, demonstram indiferença ou impaciência quando o cliente retorna para trocar, caminham na contramão de qualquer ação para reforçar a fidelidade”, diz Laís Bisordi, gerente de projetos consultoria da GS&MD – Gouvêa de Souza.
O SEGREDO ESTÁ NO TREINAMENTO
A questão das trocas no varejo brasileiro continua sendo tão delicada que muitos vendedores também reclamam da postura agressiva de muitos clientes insatisfeitos com uma compra. “É evidente que há exceções, mas acredito que isso seja reflexo dos numerosos episódios desagradáveis com trocas que os consumidores vivenciaram anteriormente. Assim, os clientes tendem a chegar à loja já na defensiva. Cabe ao varejista treinar seus vendedores para que possam contornar essas situações”, observa Sassaki, do Provar/FIA.
E é esse o caminho escolhido pela varejista de lingerie Scala, integrante do grupo de varejo Scalina (dono também da Trifil) para garantir a satisfação dos clientes no pós-venda. “Acreditamos muito na conscientização dos atendentes e nas conversas entre gerentes e vendedores como as bases da política de trocas da marca. A ideia é levar quem está na linha de frente do atendimento nas lojas físicas a se colocar no lugar do cliente, tentando entender os motivos da insatisfação. Queremos deixar claro para os vendedores e gerentes que o momento da troca não pode ser negligenciado e recomendamos que os superiores sejam sempre consultados em caso de dúvidas”, afirma a gerente de Costume Service da Scala, Fátima Mazzon.
Os atendentes da Scala também são orientados apresentar com o máximo cuidado ao consumidor motivos que impedem uma troca – mau uso, por exemplo. Um dos desafios, destaca Fátima, é perenizar essa cultura entre os vendedores, principalmente porque se trata de uma função ainda de grande rotatividade no varejo brasileiro. “Assim, damos especial atenção ao treinamento dos gerentes.”
Além de treinar gerentes e vendedores, os varejistas devem ter em mente que é essencial simplificar o processo de troca, observa Laís, da GS&MD. “Horários e dias restritos para troca, como no famoso ‘não trocamos aos sábados’; locais específicos, fora das áreas de caixa; ou processo oneroso para o cliente em termos de exigência de documentos ou tempo demandado, afastam os consumidores”, afirma, citando práticas inadequadas que anulam quaisquer tentativas de conquistar o cliente por um longo prazo.
A consultora ressalta o poder do consumidor. “Ele está cada vez mais consciente de seus direitos e com grande poder de comunicação. Uma experiência frustrante pode ser rapidamente multiplicada nas mídias sociais.” Ou seja: consumidor maltratado hoje dá o troco. Sinal de alerta no varejo.
Fonte: www.dcomercio.com.br – Publicado, 27/007/14 – Escrito por Rejane Aguiar