Brasileiro pouco planeja e foge de risco

Quando o assunto é finanças, uma grande aversão ao risco e uma certa despreocupação com gastos do dia a dia e com o planejamento de longo prazo descreveriam bem o perfil do brasileiro. Ele tem conhecimentos medianos de matemática e costuma consultar parentes ou amigos na hora de tomar uma decisão financeira, às vezes recorre às notícias veiculadas pela televisão ou pela internet. Em geral, não tem dinheiro sobrando para investir no fim do mês, mas quando isso acontece o brasileiro tende a fugir de qualquer aplicação que seja mesmo que remotamente associada a risco de perda, prefere sempre a segurança da caderneta de poupança ou da conta-corrente. Ele também não entende muito dos assuntos comuns do mercado financeiro: acha, por exemplo, que conta-corrente é um tipo de investimento e que diversificar as aplicações aumenta riscos.

Esse retrato surgiu em um estudo do Instituto de Pesquisas Rosenfield, realizado por encomenda da BM&FBovespa. A ideia do trabalho era registrar as características do brasileiro em relação a suas finanças, considerando planejamento de gastos e de investimentos, além de conhecimentos sobre o tema. Foram entrevistados, entre 27 de agosto e 6 de setembro do ano passado, 2 mil adultos moradores de 100 municípios das 15 maiores regiões metropolitanas do País.

As pessoas ouvidas pertencem a todas as classes de renda  A, B, C, D e E, conforme a classificação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Da população brasileira, 42,9% recebem até um salário mínimo por mês, 46,8% têm renda mensal entre um e cinco salários mínimos e 10,2% ganham mais que cinco salários mínimos por mês, de acordo com o IBGE. A margem de erro da pesquisa do Instituto Rosenfield é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

É importante ressaltar que os resultados mudam se as classes de renda (e escolaridade) forem avaliadas separadamente, a tendência, previsível, é que quanto maiores a renda e a escolaridade, maior o conhecimento a respeito de organização financeira e investimentos.

Falta de controle

No que se refere a planejamento orçamentário, dois pontos chamam a atenção na pesquisa. O primeiro deles é a falta de controle de gastos (foram considerados tanto planilhas no computador quanto a velha e boa caderneta de anotações). A maioria dos entrevistados (62,2%) declarou não fazer qualquer controle de receitas e despesas. “É interessante observar, nesse ponto, que cidadãos mais escolarizados e de maior renda são mais organizados com as finanças”, afirma Denis Rosenfield, colunista do Diário do Comércio e responsável pela pesquisa. “E, em geral, as pessoas que acompanham seus orçamentos são as que mais se endividam, por saberem quanto têm”, acrescenta.

Entre as pessoas ouvidas, 46,9% têm resultado médio no Indicador de Planejamento Financeiro (IPF), de 3 a 5 (esse índice varia de zero a 8; quanto mais próximo de 8, maior o planejamento). As pontuações mais baixas (de zero a 2) foram registradas para 28,7% das pessoas ouvidas na pesquisa, percentual superior ao dos entrevistados com pontuação de 6 a 8 (24,3%).

O segundo ponto de destaque é o desconhecimento da maioria das pessoas que pagam financiamentos em relação às taxa de juros: 25,8% desses entrevistados disseram não saber quanto pagam de encargos financeiros nos empréstimos que contrataram. Eles ficaram atrás apenas de pessoas que disseram pagar até 5% ao mês de taxa de juros (42%).

Confusão em investimentos

O desconhecimento sobre finanças aparece também quanto se pergunta sobre os investimentos: 97,7% das pessoas ouvidas afirmaram conhecer a caderneta de poupança e 44,4% optam por essa modalidade de investimento quando querem fazer uma reserva financeira. Na lista dos investimentos mais conhecidos aparecem também, pela ordem, a conta-corrente (94,6%), imóveis (43,3%), os títulos de capitalização (38,2%), o ouro (36,8%) e as ações (36,5%). Excluindo poupança e conta-corrente, o conhecimento nos casos dos outros índices não se traduz em aplicações efetivas. Embora mais de 40% dos entrevistados tenham afirmado saber que os imóveis são um tipo de investimento, apenas 3,7% disseram ter essa aplicação. O mesmo acontece com as ações, que têm só 1% de aplicadores na amostra. Em relação à tolerância ao risco, o brasileiro parece decidido: não quer se arriscar a perder dinheiro. Entre os entrevistados, 52,6% disseram preferir aplicações com baixo risco, mesmo que tenham baixa rentabilidade, não gostam de trocar o certo (embora pouco) pelo duvidoso. Apenas 7% afirmaram gostar mais de investimentos com maior risco, desde que compensados por alto retorno. “Esse ponto mereceria um estudo mais aprofundado. O resultado pode estar relacionado a algum histórico da bolsa de valores visto como negativo, mas também pode vir de uma carga cultural”, observa Rosenfield.

MEDO DO MERCADO DE AÇÕES

Entre os 7% de entrevistados para o levantamento do Instituto de Pesquisas Rosenfield que afirmaram preferir investimentos com alto risco e alta rentabilidade estão os potenciais investidores do mercado acionário. “Essas são as pessoas que podem ser o alvo de ações da bolsa para aumentar o número de pequenos investidores”, diz o responsável pelo trabalho, Denis Rosenfield.

Considerando o Indicador de Propensão a Investimento em Ações (Ipia), 1,6% da amostra da pesquisa tem alta propensão à renda variável. Segundo ele, esse resultado mostra que há espaço para o crescimento desse grupo de investidores, que hoje inclui cerca de 600 mil pessoas.

A principal justificativa dos entrevistados para não aplicarem em ações é o desconhecimento do mercado acionário, citado por 43,5% das pessoas. Em seguida na lista de motivos vêm a falta de sobra de dinheiro (21,3%), a renda baixa (11,9%), o alto risco (6,2%), a necessidade de saque rápido da aplicação (3,9%) e a desconfiança em relação às instituições financeiras. De acordo com Rosenfield, esses resultados mostram que o brasileiro precisa de mais esclarecimento sobre a bolsa de valores, que ainda é vista como “coisa de gente rica” e perigosa.

A pesquisa sugere, afirma Rosenfield, que a BM&FBovespa concentre os esforços nos potenciais investidores das classes A e B e em jovens de 16 a 24 anos. “Essa é uma geração habituada à internet e que deve protagonizar uma significativa mudança da mentalidade de investimentos no Brasil. Afinal, ela não tem memória inflacionária ou lembranças de crises ou instabilidades”, pondera Rosenfield.

Fonte: www.dcomercio.com.br – Publicado, 06/01/2013 – Escrito por Rejane Aguiar

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