A pirâmide empresarial brasileira, tal como a pirâmide populacional, também está mudando de formato. De acordo com dados do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) existem hoje no Brasil mais de 2,6 milhões de Micro Empreendedores Individuais (MEIs). Até o final do ano, o número deve chegar a 2,8 milhões, segundo estimativas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). E há quem diga que, no futuro próximo, haverá no País mais empreendedores individuais do que micro e pequenas empresas, que hoje somam 4 milhões.
Formalização
Os MEIs, ou a maior parte deles, saíram da economia subterrânea graças à criação de uma nova modalidade jurídica inserida na legislação do Simples Nacional em 2009. É como se fosse o primeiro degrau da pirâmide desse regime tributário especial, construído para uma legião de trabalhadores autônomos que vivem à margem do Estado e, portanto, sem proteção previdenciária e condições para obter um empréstimo e aumentar o seu negócio.
Os empreendedores individuais podem obter o CNPJ em minutos por meio de uma inscrição no Portal do Empreendedor (www.portaldoempreendedor.gov.br), desenvolver suas atividades na própria residência e pagam mensalmente uma carga baixíssima de tributos, que vai de R$ 32,10 a R$ 37,10, referentes à contribuição ao INSS, R$ 31,10 (5% do salário mínimo); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), R$ 1,00; e Imposto Sobre Serviços (ISS), até R$ 5,00.
Legalizados, passam a ter direito aos benefícios previdenciários. O limite de faturamento anual é de R$ 60 mil desde o início deste ano.
A modalidade empresarial também é porta de entrada para o chamado “empreendedorismo de oportunidade”.
Um levantamento do Sebrae mostra que 25% dos empreendedores individuais eram empregados sem carteira assinada. Outro dado que chama atenção é que 20% dos brasileiros que se formalizaram como MEIs declararam manter seu emprego. Para o Sebrae, os resultados da pesquisa feita em julho deste ano, que também constatou um nível alto de escolaridade entre os inscritos, mostram que há ainda um contingente expressivo de empreendedores a serem legalizados.
Na opinião do diretor-técnico do Sebrae, Carlos Alberto dos Santos, o ritmo das adesões à modalidade jurídica é satisfatório. O portal recebe, em média, três mil inscrições diárias. “Isso indica que a formalização é um bom negócio, pois facilita as relações de compra e venda, com a emissão de nota fiscal pelo MEI”, afirma. De 2009 para 2010, o número de inscritos passou de 49.118 para 794.461. Hoje, são 2.605.420 cadastrados nas cerca de 700 atividades elencadas na legislação.
Esse fenômeno das formalizações se confunde com a ascensão da chamada nova classe média. Estima-se que mais da metade dos empreendedores brasileiros (55,2%) está concentrada na Classe C. “Com o pleno emprego no Brasil, aumenta o número de pessoas que querem ser donas de seu próprio negócio, deixando de serem escravas do cartão de ponto nas empresas. É uma das características da nova classe média brasileira”, analisa o diretor do Data Popular, Renato Meirelles.
Atividades
Os MEIs, como não poderiam deixar de ser, distribuem-se por centenas de segmentos. O maior contingente está no comércio varejista de vestuário. Mas esses novos profissionais espalham-se pelos segmentos de estética, minimercados, bares, choperias, serviços de eletricista, pedreiro e tantos outros. Da mesma forma, muitos deles são imigrantes, a começar pelos que vieram da Bolívia, Peru, Argentina ou Portugal. A seguir, o perfil e o depoimento de oito MEIs.
Rafael dos Reis, chinelo personalizado.
Uma pesquisa do Sebrae feita com empreendedores individuais mostrou que 38% deles tinham carteira assinada antes de inscreverem como MEIs. É o caso do jovem Rafael dos Reis Tosso, que mantém um emprego com carteira assinada numa empresa de TI durante a semana, mas também é dono de um pequeno empreendimento em casa.
Rafael fabrica chinelos de borracha personalizados para complementar a sua renda desde maio deste ano, quando conseguiu o CNPJ. Entre seus clientes estão pessoas físicas e empresas interessadas em comprar o produto para oferecer de brinde. “Posso emitir nota fiscal e acho que ter um CNPJ no cartão de visita é importante, além de pagar poucos impostos”, disse. Antenado, Rafael, que é formado em Ciências da Computação, fez pesquisa de mercado antes de se tornar um MEI. As vendas, segundo ele, ainda são modestas, mas ele espera crescimento com a chamada propaganda boca a boca e também com a página que montou no facebook.
Márcio, técnico de computadores.
MEI é sinônimo de ser livre, segundo a definição do técnico em manutenção de computadores, Márcio de Souza Silva, que se formalizou no início deste ano e realiza a atividade na própria residência. Antes de se legalizar, ele trabalhava no Grupo Linx como auxiliar de almoxarifado.
“Desempregado, me veio uma luz, um sonho antigo, informática”, lembra. Antes de ser demitido, ele havia feito um curso de configuração e manutenção de computadores no Senai. Ele esperava atuar nessa área dentro da empresa, o que acabou não acontecendo.
“O fato de me tornar empresário, trabalhar de acordo com as leis, ter CNPJ, não pagar inúmeros e dispendiosos impostos, é tudo de bom”, resume.
De acordo com ele, a legislação permite desenvolver 15 atividades em sua residência, desde que ligadas ao ramo principal, de técnico em manutenção de computadores e periféricos. Atualmente, Márcio atende pessoas físicas e, portanto, não é obrigado a emitir nota fiscal. Mas tem o bloco de notas caso resolva prestar serviços a pessoas jurídicas. Para ser legalizado, ele paga mensalmente R$ 37,10.
Gilberto de Paula, barbeiro.
Gilberto Aparecido de Paula se cadastrou como MEI há um ano e meio na função de barbeiro.
Ele tem um pequeno salão na Vila Sônia, Zona Oeste da capital paulista, e antes de virar um “empreendedor legal” trabalhava na clandestinidade diariamente das 7h30 às 19 horas para uma clientela cativa formada basicamente por homens.
Ele deixou a chamada economia subterrânea depois de receber visita de uma consultora do Sebrae, que expôs para ele as vantagens da adesão à figura jurídica mais famosa do Simples Nacional.
“Hoje, eu tenho segurança tem termos previdenciários, com direito à auxílio doença e aposentadoria”, afirma.
Rosenilda, esteticista.
Atividades ligadas à estética estão entre as sete mais procuradas por empreendedores que pretendem se legalizar. De acordo com pesquisa do Sebrae, em julho deste ano, eram mais de 47 mil MEIs inscritos nessa atividade. A esteticista Rosenilda Matos de Jesus faz parte dessa estatística.
Ela obteve o CNPJ em junho do ano passado, depois de dez anos trabalhando como autônoma, em idas e vindas na casa de clientes. Passou a atender empresas e salões mas um obstáculo a preocupou: pessoas jurídicas exigiam nota fiscal. “Eu me inscrevi como MEI por necessidade”, lembra. Hoje, 80% de seus clientes são empresas.
Na sua opinião, outra vantagem proporcionada com a legalização é o direito que passou a ter com a aposentadoria. “Hoje, eu recolho contribuição ao INSS”.
Antes da decisão de atuar por conta própria, na condição de autônoma, Rosenilda já tinha trabalhado com carteira assinada por um bom período. “Apesar de todos os percalços, prefiro administrar meu próprio tempo e oferecer serviços de qualidade”, afirma.
Marcelo Caseli, cabeleireiro.
O cabeleireiro Marcelo Caseli vê o direito à aposentadoria e ao auxílio doença como a principal vantagem oferecida pela legislação que trata da nova figura jurídica do Simples Nacional.
Ele resolveu se inscrever no Portal do Empreendedor depois que sofreu um acidente de moto, o que o o obrigou a se afastar do salão onde trabalhava por 15 anos.
“Acho que o acidente me motivou a me cadastrar”, analisa. Marcelo informou que soube do programa de formalização criado em 2009 por meio de amigos cabeleireiros que também foram incentivados a aderir. Essa atividade é a segunda que mais aparece nos cadastros dos MEIs.
Até o mês de abril deste ano, as inscrições somavam mais de 115 mil.
Aline, vendedora de roupas.
A jovem Aline Cristina sempre gostou da área de vendas e já havia trabalhado com cosméticos e lingerie, o que lhe rendeu uma clientela expressiva. Ela conheceu as peculiaridades da figura jurídica do MEI durante um estágio de sete meses no Sebrae.
O contrato de trabalho expirou e ela decidiu investir parte do salário ganho nesse período na compra de um lote de 40 calças jeans. E se inscreveu como MEI em fevereiro deste ano. A ideia era aproveitar a clientela antiga formada com a venda de cosméticos e lingeries. “Vendi todas as calças em quatro dias e ainda recebi encomenda de 50 peças”, lembra.
Aline tem atualmente entre 50 e 70 clientes que ela faz questão de cadastrar em seu computador pessoal. As vendas são feitas nas casas das clientes. Para ter um preço competitivo, Aline costuma comprar as calças direto na fábrica.
Cecília Baruel, comida natural.
Com dois cursos superiores em seu currículo e passagens por empresas como Embraer e Unilever, Cecília Baruel se inscreveu como MEI em janeiro deste ano. Ela está produzindo alimento natural e balanceado para cães, já possui 300 clientes e tem planos para vender o produto, da marca Organicão, em pet shops. “Foi uma reviravolta na vida ter meu próprio negócio”, afirma ela.
A ideia de se tornar uma microempreendedora surgiu depois de participar de workshops voltados ao esenvolvimento de potenciais.
O gosto por cachorros, pela arte de cozinhar e vender resultou no pequeno empreendimento que ela toca hoje, sozinha, mas que está prestes a mudar de classificação na pirâmide empresarial. Sim, neste ano, por alguns meses, o faturamento ultrapassou a casa dos R$ 5 mil. Com isso, ela vai passar de microempreendedora para microempresária. “Como microempresa, pretendo contratar funcionários para me ajudar no negócio”, adianta.
Welter, dono de uma bicicletaria.
O técnico em automação industrial Welter Pereira perdeu o emprego em junho do ano passado. Mas ganhou autonomia e status de dono do próprio negócio ao abrir uma bicicletaria na Zona Norte. “Quis aproveitar meu conhecimento em mecânica”, resume.
No pequeno estabelecimento, ele conserta e vende bicicletas e, por enquanto, trabalha sozinho, apesar de a legislação que trata da modalidade jurídica do MEI permitir a contratação de um funcionário.
Cuidadoso, antes de se tornar um microempreendedor, ele participou de várias palestras promovidas pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e tem planos de continuar a aprender. “Não é fácil ser dono do próprio negócio. Não tenho chefe cobrando por resultados. Cobro a mim mesmo para que sobre dinheiro no final do mês para pagar as contas”, afirma. Para o empreendedor, a falta de capital de giro é um dos obstáculos a serem enfrentados. Hoje, há linhas de crédito especiais para MEIs.
Fonte: www.dcomercio.com.br – Publicado, 02/12/12 – Escrito por Silvia Pimentel